A minha primeira Coca-cola não foi nas asas da Panair, como cantava Elis. Estreei minhas postiças asas adolescentes num Caravelle de São Paulo para Belo Horizonte. Passaram-se muitos anos até que, em 1985, embarquei num Jumbo, saindo de Viracopos, escala no Rio, com destino a Frankfurt. Era minha primeira viagem internacional e a última sem tomar remédio para enjoo. Foi vexatório. De todo modo, engenheiro que sou de formação, sempre me encantei pela tecnologia da aviação, exemplo de que a ciência consegue contrariar nossa natureza e , com sua ajuda, podemos voar. Fiz muitas viagens ao longo desses anos e aprendi que, hoje em dia, os computadores controlam quase tudo num avião, a ponto de o piloto ser dispensável, ou não ? Existem casos nos quais ele fez a diferença, como no episódio do pouso no rio Hudson em Nova York. Sem o fator humano, aquele voo seria uma tragédia. Por outro lado, seja no atentado contra as torres gêmeas em 2001 ou no episódio em 2015 na Europa, mesmo com todos os sistemas de segurança automáticos, os pilotos conseguiram burlá-los e derrubar ,deliberadamente, os aviões. Fica claro que, dentro de uma aeronave, a autoridade de direito e de fato é o comandante. Seja por ser a pessoa ,supostamente, mais qualificada para pilotar o avião, mas principalmente porque é quem deveria ter o maior interesse em completar sua missão sem se acidentar ou perder a sua própria vida. Para tanto, não vai fazer uma enquete a bordo para definir sua rota, a que altura voar ou até se seria mais conveniente pousar em outra cidade. A democracia, por vezes, impõe situações nas quais a liberdade individual absoluta deve ceder ao interesse coletivo, como deveria ser com as vacinas, por exemplo. Portanto, voltando às alturas, se por um lado, é necessário confiar no comandante e seguir suas determinações, por outro lado, sabendo-se da falta de confiança, o melhor é não embarcar. Estando a bordo, infelizmente, e percebendo as manobras insanas do comandante, resta-nos pouca margem de manobra. A boa notícia é que são muitos raros os comandantes que têm coragem suficiente para se autoflagelar. Alguns desses alucinados até curtem o sofrimento alheio, mas tremem de medo quando a ameaça se aproxima deles. Aviões modernos não precisam tanto de pilotos, mas nós precisamos. Eles representam nossa confiança em nossos semelhantes, nosso respeito pelo conhecimento e nossa disciplina pelo bem coletivo. Num avião, confiamos ao piloto nossas vidas; portanto ele precisa ser digno, capaz e consciente. Um bom comandante não nos abandona numa tempestade, assume o manche e enfrenta. Boa viagem !
( crônica publicada no Correio Popular em 25/1/2022 )