Por muitos anos, projetei e construí máquinas; muitas delas, de um modo ou de outro, ajudam os meios de transporte. Esse oficio exige conhecimentos diversos, resiliência e muita coragem, pois a responsabilidade do fracasso fica evidente quando a criação falha, não funciona adequadamente. Diferente do corpo humano, por exemplo, uma máquina não melhora com uma boa noite de descanso, só faz piorar. Eis um dilema da criatura dita automatizada : continuar dependente do seu criador. Issac Assimov, bioquímico e escritor russo, tratou desse tema no brilhante livro “Eu robô “ ,de 1950, levado ao cinema em 2004, com Will Smith. Quis o destino que esse premiado ator protagonizasse cena de revolta e agressão na entrega do Oscar 2022, de certa forma semelhante à raiva que Sonny, o principal robô do filme, demonstrou quando foi acusado injustamente. Seu algoritmo desenvolvera sentimentos; sofria, então. Quanto ao ator, ele assumiu o erro pela atitude na cerimônia da academia e aceitou a punição. Mas não seria adequado também lançar um olhar para o sofrimento interior dos envolvidos? A dor psicológica ou física é uma espécie de tortura, um peso imenso para quem sofre. Eu me espanto quando alguns amigos privilegiados dizem que nunca tiveram uma dor de cabeça significativa. Que contraste em relação aos muitos que padecem de doenças ou sofrem injustiças, ataques. A semana santa celebra um galileu, defensor da solidariedade e fraternidade, que foi considerado subversivo e perigoso pelos poderes de então, foi julgado dentro dos trâmites e trambiques da época e condenado à tortura e à morte na cruz. Essa condenação, injusta e cruel, diz muito sobre a miséria humana e o ódio intrínseco de quem julgou. Agir para, deliberadamente, causar sofrimento, dor, humilhação e submissão é algo tão nojento, que é reservado apenas aos piores da raça humana. A guerra na Ucrânia tem nos mostrado isso diariamente e não podemos silenciar: nossas pequenas atitudes contam, sim. Décadas atrás, declinei de uma vaga numa empresa que produzia armamentos. Nunca ficaria em paz comigo mesmo se projetasse máquinas para mutilar e matar. Minha atitude não fez diferença na indústria bélica, bem sei, mas se todos os engenheiros de projeto dissessem não, haveria tantos nefastos artefatos de guerra matando crianças ? A indústria da destruição gera lucro sob a desculpa mentirosa da defesa de qualquer lado. Ainda faltam vacinas contra covid no mundo, mas sobram armamentos. No premonitório filme “O grande ditador” , de 1940, Charles Chaplin; em seu discurso final, nos conclamou : “Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos.” O ódio é devastador e se consome em si mesmo. Todos os torturadores e quem os apoia passam, o império romano passou, mas os princípios oferecidos por Cristo estão vivos.
( crônica publicada no Correio Popular em 13/4/2022 )