Aprender é um desafio em qualquer tempo, mas as maiores lições ocorrem nos piores momentos. Nossa geração ainda não havia enfrentado uma pandemia e a iminência de uma guerra generalizada. As certezas de uma sociedade calcada na produção e consumo voltados para o lucro, estão se enfraquecendo há décadas. Os sinais do esgotamento dos recursos são claros. Nem é preciso compreender os complexos estudos do degelo nos polos indicando o aquecimento global; basta-nos perguntar para onde vão os resíduos que geramos. Tive o privilégio de acompanhar, durante a pandemia, o trabalho de dois professores da Universidade Federal de Goiás que coordenaram projeto para resgatar as pessoas que trabalhavam no lixão. Através de um trabalho coletivo, foi organizada e implantada uma cooperativa de reciclagem na cidade de Goiás velho, terra de Cora Coralina: “ Creio nos milagres da ciência e na descoberta de uma profilaxia futura dos erros e violências do presente ”. Enquanto pequena parcela irascível da população caía na tentação de ofender injustamente os professores, muitos deles se lançaram a desafios como esse, recebendo em troca apenas a honrosa gratidão dos miseráveis. Quando se enxerga a sociedade de consumo sob o ponto de vista de um lixão, que não deveria mais existir em nenhuma cidade do Brasil, podemos avaliar o quanto estamos longe da natureza da qual fazemos parte, mas estamos completamente apartados. O conflito na Ucrânia expõe nossa fragilidade quanto a alimentos e fontes de energia para sobreviver. Como diz a piada, não somos a última bolacha do pacote, nem a primeira; na prática faltam bolachas. A escassez provoca inflação , em outras palavras, uma guerra de poder entre classes sociais. Quem pode pagar paga; quem não pode jejua, limita sua vida. Aos pobres, restam-lhes a humilhação de suplicar comida, pois mesmo o trabalho rareia. Os benefícios da natureza não são compartilhados, se concentram, e apodrecem. Qual herança deixaremos? Um amontoado de papel impresso com tintas especiais que não poderá ser trocado por alimento faltante, água contaminada ou terra coberta de lixo? Vemos iniciativas isoladas em favor do ciclo de produção , consumo e reciclagem, mas ainda há quem não veja limites na exploração do planeta e se irrite quando jovens nos cobram coerência com o futuro deles. “ Saber viver é a grande sabedoria que eu possa dignificar” , aconselhou-nos Cora. Diante dessa sábia afirmação, cabe a pergunta : podemos ser exemplos no saber viver ? Iniciamos, antes tarde do que nunca, a tratar do assunto resíduos com as educadoras da creche onde sou voluntário. Se as crianças se envolverem com esse assunto, as famílias serão sensibilizadas e a sociedade vai pelo menos enxergar o desafio. Somos a espécie que está desequilibrando a natureza para manter a lógica do crescimento do PIB em vez de buscar melhorar o índice de desenvolvimento humano. O argumento enganador de que primeiro é preciso acumular para depois distribuir foi desmascarado: por exemplo, enquanto sobram recursos para armamentos, falta dinheiro para vacinas. Estamos longe do evangelho: “ Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário?”. Pois é, a paisagem do lixão precisa ser contemplada mesmo, afinal não podemos nos arriscar a ser apenas resíduos de uma civilização humana a serem estudados por extraterrestres no futuro.
( crônica publicada no Correio Popular em 10/6/2022 )