Mercadão

Muitas décadas atrás, criança saudável era gordinha, tanto assim que havia até um concurso a respeito. A ciência provou que isso é um grande equívoco. O cardápio familiar diário de então não diferia muito do atual. Nos domingos, a tradição indicava frango assado com macarrão. Confesso que até os meus dez anos a alimentação salgada não me atraía muito; preferia doces. Os legumes e frutas, infelizmente, não faziam sucesso comigo. Exatamente o que de melhor havia no mercado municipal de Campos do Jordão na década de 60, onde morei dos dois aos seis anos. A construção em estilo moderno, parecendo um rocambole achatado, que eu gostava de visitar, continua chamando a atenção no bairro Abernéssia até hoje. Mercados, oriundos das feiras livres, são lugares tradicionais repletos de gêneros para abastecer a população. Hoje em dia, se sofisticaram, passaram a ter praças de alimentação e despertam ainda mais interesse. Aprende-se muito sobre a cultura do local nos mercados. Eu costumo visitá-los quando viajo pelo mundo à fora. Neles, geralmente, existem mais de uma banca que vende produtos similares, portanto o próprio dono do comércio precisa se dedicar muito.  As vezes prefere perder uma venda hoje, mas cativar o cliente para sempre.  Bem diferente dos supermercados nos quais garantir o fluxo nos caixas, o mais rápido possível,  é muito mais importante do que oferecer simpatia. Ao longo do tempo a palavra “mercado” foi sendo absorvida pelo sistema financeiro de maneira tão avassaladora, que foi preciso mudar o nome do estabelecimento de comércio para “mercadão”, o qual nem sempre é tão grande assim, mas, com certeza, é charmoso. Nele se mostra a riqueza da região, do país e do mundo. Exemplo disso é o belo mercadão de São Paulo, vitrine de produtos transnacionais. Ele, infelizmente, também pode ser visto como um oásis, bem protegido, num deserto com muita fome.  Já o tal mercado financeiro, quem sabe com inveja, insiste em chamar de “produtos” as suas aplicações para fazer o dinheiro se multiplicar, como se fosse um moto perpétuo. Os abusos nesse sentido foram comprovados na crise de 2008, cujos efeitos nefastos foram pagos pelas populações.  O tal “mercado”, imposto à sociedade,  é considerado como um ente imaterial, uma figura mitológica que tem desejos, sentimentos e, se irritado, pode castigar os reles mortais. Inverteu-se a prioridade: os alimentos, essenciais à vida, passaram a ser menos importantes do que os rendimentos financeiros, diversos destes desvinculados dos produtos de fato. Muitas transações são apenas trocas digitais de números e não de sacas de arroz. O povo sofre com a inflação, com os juros e, no limite, passa fome. Sinto-me envergonhado de viver num país tão brilhante na produção de alimentos, mas que titubeia quanto aos desperdícios e na eliminação da fome, em especial das crianças na primeira infância quando desenvolvem seus cérebros. A fome no corpo perante a fartura nas prateleiras é uma espécie de tortura que deveria revoltar a população, mas pessoas desnutridas estão fracas, sem condições físicas para se organizarem e protestar.  A fome passa despercebida pelos bem alimentados, ou ainda pior, é desprezada. Daí a importância do jejum temporário e voluntário, pois nos faz compreender o sofrimento dos famintos.  

Carlos Roberto Lopes 

Texto publicado no Correio Popular em 22 de novembro de 2022