Toda espécie animal luta pela sua perpetuação ao longo das gerações. Isso é imposição biológica, independente de quaisquer crenças, inclusive as minhas. Sendo assim, seria razoável imaginar que a espécie humana ,ao se desenvolver na ciência, colocasse essa necessidade incontestável como prioridade. Convenhamos, isso parece longe de ser verdade, senão a essencial preservação do meio ambiente, da qual todas as vidas dependem, não seria motivo para embates mesquinhos. Por outro lado, a tecnologia permite a falsa ilusão da juventude perene do corpo e o prolongamento da vida, muitas vezes desrespeitosamente. Por trás da atitude, compreensível, dos familiares em relação aos parentes com enfermidades terminais, oculta-se, também, um apego passional, um temor em relação à potencial perda do ente querido. Dedicamo-nos tanto a evitar nossas próprias dores, sem nos dar conta que isso também pode causar enormes sofrimentos aos que precisam da corajosa misericórdia. Um exemplo, menos extremado, mas também muito importante, pode ser percebido pelo modo como educamos as crianças e jovens. Acomodados aos confortos vamos perdendo habilidades naturais e, ainda pior, temos dificuldades em incentivar os filhos para assumirem responsabilidades e terem, de fato, liberdade. Como consequência disso muitos jovens adultos universitários não conseguem enfrentar os seus próprios desafios acadêmicos. Quando apresentam dificuldades nas disciplinas ou relacionamentos, os coordenadores das faculdades chamam os pais para que tutelem seus filhos incompetentes, prolongando-se, assim, a adolescência da prole, pois esta ainda não aprendeu a viver. Não desejo, e nem posso, menosprezar auxílios diversos como em casos de enfermidades, passivos educacionais injustos ou inviabilidade econômica. Sim, apoiar as novas gerações é fundamental, mas não podemos viciá-las na dependência perene. O triste caso do acidente aéreo na Colômbia que resultou em mortes de adultos e quatro crianças perdidas na floresta pode nos ensinar muito. Foram relatadas ameaças contra o pai, por isso sua família estava em fuga, e que a mãe teria sobrevivido alguns dias após o desastre. Mesmo diante dessa tragédia, a irmã de 13 anos guiou os demais e todos conseguiram sobreviver sozinhos por mais de quarenta dias num ambiente hostil. Quais habilidades eles tinham, desde as psicológicas até as práticas? Não se pleiteia que todos os jovens da cidade aprendam a sobreviver na selva, mas será que estamos preparando a mentalidade das novas gerações para eventos esporádicos como escassez de água e energia, por exemplo? A pandemia do corona vírus mostrou uma humanidade confusa e desarticulada para compartilhar recursos e cuidar da vida. Toda a capacidade intelectual de organização desenvolvida desde a gripe espanhola de 1918 ,que matou 50 milhões de pessoas no mundo, parece ter-se limitado, heroicamente, às vacinas, combatidas irracionalmente por motivos vis. Por tudo isso, o questionamento sobre a inteligência artificial e suas consequências é valido e urgente. Pois a I.A. se infiltra na sociedade, conduz a maioria conforme parâmetros, positivos ou negativos, definidos por alguns e pode embotar nosso raciocínio, exatamente o que viabilizou a evolução da espécie humana. Em resumo, as atitudes narcisistas, o desprezo ao meio ambiente, a covardia na orientação às novas gerações e a submissão cega às ferramentas tecnológicas; podem sim colocar em grande risco a perpetuação da espécie. A vida nos foi dada em herança, mas ela não é um objeto, trata-se de privilégio e supremo recurso a nós confiado pelo futuro . O que deixaremos para as próximas gerações ?
Carlos Roberto Lopes - junho 2023
Crônica publicada no Correio Popular em 12 julho 2023