Graduação

Um amigo culto e espiritualizado me provocou com a pergunta se eu pensava na minha própria morte. Pergunta simples, resposta complexa. Em vez de um relato, quem sabe seja melhor uma reflexão mais abrangente. Ainda que estudemos o passado, as experiências são vivenciadas ao correr da nossa geração. A atual, supostamente iniciada durante e logo depois da segunda guerra mundial, período com muita fatalidade, se defronta agora com uma pandemia centenária e devastadora, contra a qual misturam-se crendices antigas sem sentido, atitudes díspares e ciência atrasada. Estamos, como na gripe espanhola enfrentada pela geração anterior, muito mais expostos ainda à natureza do que a certeza científica nos indicava. Ao se divulgarem os óbitos ocorridos a cada dia, por vezes, nos sentimos melhor com índices em queda. Qualquer sopro de esperança vale. Ao mesmo tempo, infelizmente, vai se atrofiando o significado e dignidade da morte, banalizamos exatamente o que valoriza a vida, qual seja, sua inexorável finitude. As notícias vão encruando nossos sentimentos e os amigos perdidos viram cicatrizes em nossas almas. Deixam de doer com o tempo, mas nunca se curam totalmente. Basta um pequeno esbarrão para sangrar de novo. Isso nos serve de alerta, sacode nosso conforto de acreditar nos meios materiais como ilusória cura irrestrita e perene para qualquer mal. Apesar de toda tecnologia, somos frágeis. Além disso, prezado amigo, seríamos nós de fato protagonistas de nosso próprio nascimento e nossa morte, ou somos meros pacientes, testemunhas ? Portanto, em vez de refletir sobre o fim em si, quem sabe seja melhor falar sobre os fins, os propósitos da vida. Aquilo que fazemos enquanto somos, enquanto pulsamos e ainda não nos tornamos cicatrizes nos outros. Bem sei que nós, engenheiros, somos ávidos por prever, planejar, enfim, somos chatos em prevenir, sejam acidentes ou transtornos, por isso desejamos que nossa decadência física e ausência futuras não sejam motivos de sofrimento alheio. Faz sentido. Vivemos sempre no limite de nossa arrogância em tentar controlar tudo, no entanto somos apenas hospedeiros temporários da natureza. Estamos aprendendo a viver desde o nascimento, e vamos, com certeza, um dia concluir nossa graduação. Resta saber qual currículo e qualificação vão constar do diploma . Isso não é resposta para a indagação inicial, eu sei, mas, convenhamos, que é outra boa pergunta.


( crônica publicada no Correio Popular em 16/9/2021 )