É comum falarmos sobre espécies consideradas inconvenientes, principalmente quando queremos dormir e um simples inseto voador nos escolheu como fornecedor de seu alimento e vem nos picar. Estranhamente existem bactérias que nos garantem a saúde e outras tantas que nos adoecem e matam. Por isso sempre me perguntei por que a vida do ser humano seria mais valiosa? Aprendo sobre o ímpeto em existir de cada ser com Richard Dawkins no livro “O gene egoísta” de 1976 o qual, antes tarde do que nunca, leio agora, eu já maduro. Afirma ele que todo ser vivo é, na prática, uma máquina de sobrevivência do DNA, moléculas encontradas desde árvores até elefantes cuja estrutura química fundamental é muito semelhante. Portanto a eternidade desse código depende da vida interligada na natureza. Quem sabe isso explique nosso ímpeto sexual, a satisfação na existência de filhos, a dedicação em protegê-los e, por que não, o maldito zumbido do pernilongo sedento pelo meu sangue. O mais adaptado, afirma Darwin, sobrevive. Pois é, os insetos estão vencendo essa batalha pois há décadas a dengue nos atormenta. O que nos falta? Antônio Nobre, cientista do INPE e renomado estudioso de biologia e florestas, apresenta um argumento fundamental: cooperação. Cada célula do ser humano traz consigo o código genético completo, porém se desenvolve e desempenha o papel que lhe cabe nessa organização tão complexa. Aquela que compõe a unha não luta para ser parte do coração. Pelo contrário, continua humildemente a se reproduzir sendo bem tratada pela manicure ou não. Quando alguma se revolta e se reproduz egoisticamente causa um transtorno que pode levar o indivíduo a morte. Nesses casos precisamos do conhecimento da oncologia para sobrevivermos. A complexidade do homo sapiens é resultado da cooperação das mais de um quatrilhão de células que o compõem. Temos muito a aprender com a natureza, afinal quando uma pandemia nos aflige e precisamos agir harmoniosamente entre 7,5 bilhões de humanos, ou seja, cento e trinta mil vezes menos do que as células de um único corpo, o resultado é um caos evidente. E olhe que as células nem tem WhatsApp! O mundo é ágil para ajudar o sistema financeiro ou defender com guerra seus interesses econômicos, mas titubeia para salvar vidas. Alguns governos negacionistas infelizmente chegam a desprezar a ciência e geram conflitos para fugir à responsabilidade. Populações confusas seguem seus instintos mais primitivos, fisiológicos e errados. Para tentar explicar essa dificuldade de solidariedade recorro a palestra inesquecível do filosofo Mario Sérgio Cortella na qual descreve o que é o universo, o número de galáxias, as bilhões de estrelas em cada uma delas, quão minúsculo é nosso planeta e por fim nossa consciência repleta de arrogância, a qual acredita que tudo isso existe por cada um de nós, para cada ego. Quanta ignorância, o gene pode até ser egoísta, mas sem humildade e colaboração a vida não é viável.
( crônica publicada no Correio Popular em 7/3/2021 )