Ciências exatas, dentre elas, a engenharia, na qual me formei no final da década de 70. Entretanto a vivência dessa profissão mostrou-me alguma incoerência nessa denominação, tanto assim que explicava aos alunos no meu turno noturno de trabalho: as equações são apenas um rascunho, uma tentativa de descrever a realidade. A ciência tem a obrigação de duvidar. As certezas são do âmbito dos juízos íntimos de valor que todas as pessoas podem ter. Dentre essas, se inclui a fé, poderoso meio que pode nos mover para a solidariedade ou justificar a violência física ou não. Quando há um candidato a santo, o Vaticano aciona seus experts, convoca a força da dúvida para comprovar não haver explicação pela ciência de então. Na minha vida de engenheiro, sempre escutei como somos chatos, é verdade. Vislumbramos riscos de acidentes, queremos prevenir, colocamos a dúvida antes da crença, ainda que a tenhamos em nós. Por isso, quando tudo corre bem, temos o direito de atribuir, humildemente, o mérito a um poder maior. Amyr Klink nos ensina que mesmo o melhor marinheiro nunca venceu uma tormenta, foi apenas o mar que o deixou passar. Por isso, escuto tanto o artista que sou, o qual me permite enxergar para além da matéria, perceber os perigos e sofrimentos invisíveis e não menos dolorosos. A angústia das mulheres, por exemplo, vítimas de um machismo recorrente, da hipocrisia que admite a violência como algo corriqueiro, do puritanismo de fachada combinado ao consumo de pornografia. A arte permite desnudar os seres humanos, desde aqueles que se encastelam arrogantemente nas ciências até os que as reescrevem conforme suas ideologias ignorantes. Quis a vida, como num bolero, que a Marília Mendonça emudecesse numa belíssima cachoeira de Minas Gerais. Justo ela que cantava, em linguagem simples e cativante, os sentimentos silenciosos de tantas mulheres e entregava, generosamente, refrãos marcantes para que a massa pudesse gritar, expurgar suas dores e ser ouvida. Quando acidentes acontecem, cabe-nos consternação, quanto mais quando tragédias coletivas nos afligem, seguidas pela inevitável busca de causas para que a ciência nunca se curve ao negacionismo. Inspirados na sabedoria da artista, e para sempre novíssima imortal da Academia, Fernanda Montenegro, tomara reconheçamos a importância da arte, a qual não é ciência e nem fé, mas promove o conflito civilizado e necessário que constrói pontes de harmonia pelas quais o ser humano pode ser melhor, mais humano e fiel.
( cronica publicada no Correio Popular em 12/11/2021 )