Tudo era escuridão, silêncio e frio quando aconteceu o desejo, o sonho da existência. De repente, como numa festa de ano novo no Rio, pipocaram explosões seguidas. Foi um evento que veio a reverberar pela eternidade. Estava oficialmente lançada a era do existir. O Grande Diretor desse espetáculo inédito deve ter se admirado e elogiado a equipe encarregada do projeto. De fato, nada parecido nunca existira. Basta citar a invenção da tal gravidade, a qual caiu tão bem que até luz, a protagonista primeira em cena, se desvia por conta da gravidade, sinal de respeito. Num balé foram se apresentando estrelas, planetas, cometas, formando um cenário único no qual o Grande Diretor oferecia liberdade de atuação. Tanto assim que surgiram muitos outros personagens diferentes que eram resultado de pausas da eternidade material, pois eles tinham algo a mais: vida. O existir passou a se valorizar pelo viver. Com isso, podemos assim entender, deu-se início a trupe que atuava e também curtia na plateia do universo. Passados muitos tempos depois, um parente dos símios, habitante do planetinha azul, resolveu ser criativo, ousou mudar o cardápio. Dizia-se, então, que se podia comer de um tudo, menos a tal maçã. Sinceramente, quem contou a história deve ter trocado a fruta. Quem sabe tenha sido algo tropical, uma goiaba ou manga. Ah, uma palmer ,madura e perfumada, colhida no pé, irresistível. A tentação do prazer fez-se ressaca de dor. Daí para frente foi um tal de enfrentar a realidade e assumir a brutal responsabilidade do saber, do ter consciência. Enquanto isso o Grande Diretor, como sempre fez, acompanhava a trama com infinda paciência, cuidando das estratégias, intervindo quando solicitado ou necessário e compreendendo as constantes dúvidas e controvérsias dos tais humanos. Permitam-me, pacientes leitores, que eu faça aqui uma interrupção para lhes contar o motivo dessa crônica. Semana passada, recebemos a visita de meu filho e minha nora, os quais nós não viamos há quase dois anos. Durante esse tempo, eles, professores universitários, além das atividades pedagógicas, conseguiram viabilizar uma cooperativa de reciclagem, resgatando pessoas do lixão. Quem tem filhos compreende o que um pai e uma mãe sentem ao recebê-los em casa. Guardadas todas as proporções, imaginei a alegria de Deus, o Pai, ao ter seus filhos “por perto”, constatando que eles se dedicam efetivamente a cuidar dos seus próximos, das outras todas criaturas, animais ou não, os quais participam dessa obra literalmente divina. O espetáculo continua, de um modo ou de outro, mas o Grande Diretor, isento por definição de qualquer orgulho, deve curtir mesmo quando existe harmonia, solidariedade e aplausos em cena aberta. Como disse Fernando Pessoa : “Tudo vale a pena se a alma não é pequena. “
( crônica publicada no Correio Popular em 21/12/2021 )