Meus filhos tiveram o privilégio de frequentar uma pré-escola na década de 80, a qual era uma pequena chácara no meio da cidade. As crianças frequentavam o pomar, alimentavam galinhas e até uma vaca. Eu, ainda mal acostumado a padrões urbanos, questionava se aquilo seria adequado. Ignorância minha, tratava-se de pedagogia muito evoluída. Usava-se muita sucata e as crianças desenvolviam projetos. Um dia, observando o parquinho, perguntei para a diretora por que não havia uma pazinha para cada criança brincar na areia. “ Isso é proposital”, respondeu-me, “elas devem aprender a compartilhar”. O conceito da posse, propriedade, é tão arraigado em nós, que usamos o possessivo inclusive para pessoas. Iniciei esse texto assim : “meus filhos”. Alguns dirão que é apenas modo de falar, será mesmo? Estamos nos dedicando a lhes oferecer autonomia, a serem soberanos de suas vidas, de seus tempos ? A pandemia tem sido lição amarga para essa sociedade que busca o material, a posse. Mas toda provação também oferece oportunidade de aprendizado. Dias atrás, li uma pesquisa internacional de empresa de consultoria sobre a intenção das pessoas investirem suas economias. Os jovens, em especial, indicam enxergar a vida de outra maneira agora e pretendem aplicar em algo que gere valor efetivo e não apenas rendimento, algo que contribua para a sociedade. Se, há mais de um século o mundo passava fome por falta de alimentos, hoje tem-se a obesidade, de um lado e hordas de refugiados famintos, de outro. O que nos impede de compartilhar, inclusive e tão urgente, o meio de controlar a pandemia: as vacinas? Se não por ética, pelo menos por pragmatismo de evitar novas cepas circulando no mundo. O compartilhar não é algo novo, apesar de ainda arrepiar tradicionalistas. Alguns anos atrás, para compreender melhor a educação infantil no terceiro setor, onde sou voluntário, pesquisei artigos sobre comunidades indígenas no Brasil. Dentre as diferentes culturas desses povos há um senso comum de tratar cada criança com deferência. Todos os adultos se encarregam de educar todas as crianças. Elas transitam em todas as ocas livremente, testemunhando a vida dos adultos, levando e trazendo mensagens, interligando pessoas. Os alimentos são compartilhados . Se, de um lado existem crenças indígenas irracionais aos olhos de nossa moral e ciência atuais, algumas até prejudiciais à própria saúde das crianças , por outro lado o cuidado e valorização delas deveriam nos inspirar. Comprovando como nossa sociedade alimenta o consumo por vezes inútil, diversos caciques testemunham influências vindas por meios de comunicação, o que desperta cobiças, mas nem por isso melhora a qualidade de vida. Aos olhos de algum viajante no espaço, a Terra é um planeta esférico e azul, habitado por muitos seres vivos, dentre esses os humanos que criaram aldeias complexas, estabeleceram fronteiras fictícias, construíram florestas de concreto e se confundem quanto ao que é essencial em suas vidas. O modo como esses terráqueos cuidam de suas crianças, sejam elas próximas ou refugiadas, diz muito sobre o seu verdadeiro patamar de evolução. A frase do físico Isaac Newton explicando suas imensas conquistas : “Se vi mais longe foi por estar sobre os ombros de gigantes” serve-nos de conselho para qualquer assunto. Talvez algumas sabedorias se encontrem nos povos indígenas. O tempo é contra nós. Teremos humildade e coragem para usufruir esses e outros ombros, nos inspirar e aprender a compartilhar mais ?
( crônica publicada no Correio Popular em 3/8/2021 )