Em 1985, iniciei minha jornada em Campinas vindo em busca de novo emprego numa multinacional exemplar e em busca de uma vida mais tranquila para minha família. Encontrei uma cidade menos cosmopolita ( mais caipira, assim como tanto me agrada ) e um clima ensolarado. Os colegas de trabalho logo me cobraram sobre qual time eu torcia. Um deles arriscou que eu seria bugrino. Para decepção geral, afirmei não ter predileção. Outro colega, que ouvira a conversa e ficara em silêncio, num domingo próximo, ligou para mim convidando-me para assistir a um jogo, sem dizer de qual time. Mesmo não sendo eu um frequentador de estádios, aceitei o programa do futuro amigo. Na entrada do estádio, ele me fez pedir a bênção frente à estátua do Moises Lucarelli, “para garantir o resultado”, nas palavras dele. Independente do ritual, naquele dia, a macaquinha ganhou a partida e conquistou um novo admirador. Afinal, soube depois, a Ponte é o time mais velho do Brasil e aquele estádio tinha sido construído pelas mãos de seus torcedores. Isso comove e move muita gente. Aos poucos, fui também conhecendo melhor a cidade: o calçadão, o mercadão e encontrei moradia nos classificados do Correio Popular. No final daquele mesmo ano, meu vínculo com a cidade seria perenizado: minha esposa deu à luz ao nosso segundo filho na Maternidade de Campinas. Quis o destino que, anos depois, além do trabalho diurno como engenheiro , eu fosse professor no COTUCA. Pude, assim, retribuir ao povo, por mais de uma década, um pouco do muito que recebi ao fazer toda minha formação acadêmica em escolas públicas. Ainda melhor, pude defender a escola técnica, que deveria ser muito mais valorizada. Mas outras surpresas viriam em outros campos. Como meus filhos, fui aluno do saudoso Edgar Rizzo retomando minhas atividades do teatro e depois me aventurando no cinema. Alguns dos curtas que dirigi, como o documentário sobre Carlito Maia, fazem parte do acervo do Museu da Imagem e do Som de Campinas, patrimônio cultural da cidade que foi pioneira na pesquisa da fotografia. Em 2009, no ano da França no Brasil, realizei o sonho de estar no palco do Centro de Convivência Cultural numa ópera infantil francesa. Quem teve o privilégio de atuar naquele teatro nunca esquece. Porém, no ano seguinte, quando eu gravava uma comédia, um refletor caiu ferindo meu amigo de teatro o qual, ainda sangrando, continuou a peça até o final. O triste e heroico episódio rendeu duas reportagens no Correio. Infelizmente, meses depois, escrevi minha primeira carta ao leitor por conta da morte, por bala perdida na Nova Campinas, da amiga que estava em cena na noite do acidente . Os sinais eram claros de que a cidade, berço de Carlos Gomes, sobrevivente da febre amarela, terra do IAC e de tantos outros motivos de glória; estava literalmente sangrando. Teríamos nós virado as costas para a nossa cidade ? Admito que sim, se levarmos em conta os ônibus urbanos precários, as estradas de ferro abandonadas, as dificuldades da saúde, da educação, das instituições beneficentes, a limpeza das ruas, a especulação imobiliária insaciável e a multidão de moradores de rua. No entanto, as cidades são como seres vivos e não podemos desistir delas ! São as pessoas, de todas as regiões da cidade, que devem participar mais e assim contribuir para termos uma cidade mais justa e humana. Nada será fácil, assim como tem sido a tardia e ainda incompleta recuperação do Centro de Convivência Cultural. Nós somos maiores do que as mazelas da cidade; por isso, não faz sentido abandonar o presente e nem apenas delegar nosso futuro a quem quer que seja. Refletir, aprender, debater, conciliar e contribuir. A nossa cidade é o que nós fazemos dela.
crônica de Carlos Lopes publicada no Correio Popular em 1 dez. 2023