Aquele abraço

Era um dia comum no escritório em Frankfurt, onde trabalhei por mais de dois anos. Passei pela sala do recursos humanos na qual uma senhora alemã ,que tanto me auxiliara quando cheguei na Alemanha, olhava, com tristeza, para um florido ramalhete sobre sua mesa. Resolvi intervir. Com muito cuidado, perguntei o motivo das flores. Ela me contou que comemorava 30 anos de empresa. Respondi, animado, o quanto aquilo era motivo de júbilo, de alegria, mas ela me respondeu, lacônica, que significava também estar cada vez mais próxima do fim. Disfarcei o golpe, não me abati, conheço a cultura alemã o suficiente, mas tenho vocação para o atrevimento solidário. Mudei de assunto e, de certa forma teatral, comecei a explicar sobre um ritual brasileiro para acolher e fortalecer o próximo. Ela deve ter pensado em algo da floresta amazônica ou de origem africana. Pedi que se levantasse e abrisse os braços, disse-lhe que iríamos, então, “unir nossos corações” e taquei-lhe um abraço afetuoso sem tempo para se esquivar. Ela se assustou, aquilo extrapolou hábitos germânicos, e começou a chorar, precisava desabafar. Lembrei-me disso quando começou a pandemia e resolvi colocar a imagem do Cristo Redentor na minha rede social. Além da lembrança do Divino, aquele monumento retrata, para mim, a capacidade humana do brasileiro, povo resultado da mistura de cores, sotaques e culturas, que se atreve a abraçar quando poderia “sair no braço”, prefere amar do que se armar. Sim, estamos passando por momentos de rancores, tristezas, angústias; mas o tratamento é o mesmo. Para além da ciência e tudo que ela nos oferece, havemos de cuidar dos amigos, dos conhecidos e desconhecidos, com a disposição de acolher, cada um dentro de suas possibilidades. Se ainda não podemos abraçar literalmente, sejamos criativos. Mensagens pessoais fazem diferença sim, bem mais que replicar postagens recebidas; são carinhos digitais, abraços virtuais e espirituais. Eu poderia ter passado reto ao ver minha amiga de Frankfurt triste, seria demonstração de respeito e faria sentido na cultura alemã. Mas tem momentos que o atrevimento brasileiro deve se impor, afinal por aqui o Cristo ressuscitado acolhe a todos, sem exceção, naquele abraço.


( crônica publicada no Correio Popular em 15/2/2022 )