É verdade ?

Existe uma grande diferença entre o universo existir e alguém reconhecer que ele existe e descrevê-lo. Quem sabe essa premissa nos ajude a entender o que seja a realidade e o conceito de verdade. Galileu, por exemplo, foi obrigado, por pressões religiosas, a contrariar suas conclusões sobre o movimento da terra ao redor do sol. A interpretação anterior da realidade, tida como certeza e imposta pelos seus algozes, não se comprovava nos seus experimentos. Assim é a ciência, a busca infinda pela coerência entre realidade e “verdades”, muitas vezes mutantes ao longo do tempo. O filme “Meu pai”, com enredo brilhante, apresenta o tema do Alzheimer, levando os espectadores a se sentirem conforme cada personagem. Assim, Anthony Hopkins, numa interpretação acima de qualquer premiação, nos oferece um idoso doente que entende equivocadamente a realidade ao seu redor e, por isso, se sente cada vez mais inseguro. Suas certezas se desfazem continuamente a ponto de torná-lo uma criança assustada e carente. Muitos tentam decifrar o que é real no filme, como se fosse uma história policial ao estilo de Agatha Christie, mas não é. Dentre tantos méritos da obra,  destaco a sensação de desamparo proposta. É revelador perceber a fragilidade humana perante a realidade. Se bem que temos alguma experiência nisso, pelo menos aqueles que se lembram no dia seguinte de seus sonhos e consequentes sentimentos muito reais percebidos. Atrevo-me a dizer, respeitando todos os filósofos, que a verdade é a fidelidade em relação à realidade. Ainda que possamos nos perguntar: um sonho criado por uma mente de uma pessoa dormindo é menos real que o sol surgindo num amanhecer? Tive a honra de ser jurado, por seis anos, no Tribunal do Júri de Campinas, sob sábio comando do Dr. Henrique Torres. Naquela casa de justiça,  aprendi como é importante ouvir as partes para tentar vislumbrar a verdade, ainda que saibamos ser inalcançável em sua plenitude. Quanto à mentira, bem, essa não cabe dúvida, é obra do ser humano. Seja a mentira consentida, benéfica, das artes a nos encantar nos filmes, livros e no teatro, por exemplo; ou aquela misericordiosa para poupar o sofrimento de algum doente terminal. Entretanto, existe a mentira dolosa, tão comum nas fofocas e “fake news”. Essa mentira é golpe contra a realidade, traição aos outros, e gera consequências muitas vezes nefastas. Aceitá-la docilmente como verdade, sabendo ser algo pouco plausível, é ser cúmplice do dolo. A mentira existe por ser conveniente a alguém ou alguns, enquanto a verdade existe, ainda que ninguém a conheça ou deseje encontrá-la.  


( crônica publicada no Correio Popular em 9/6/2021 )